"Os dias são connosco
Não interessa como se passou a manhã nem interessa como se passou a tarde. Somos nós que decidimos como foi o dia. Em vez de ser o dia em que fomos a Lisboa tratar de coisas chatas, pode ser o dia em que almoçámos lindamente na Gôndola com a nossa sobrinha Catarina. Em vez de ser o dia em que levámos com o calor da cidade e dos prédios e dos carros, pode ser o dia em que lanchámos, no Palácio de Seteais, um jarro enorme de limonada, feita com limões dos limoeiros à nossa frente, mais uma tijela de amêndoas torradas. Em vez de ser o dia dos nervos e dos medos pode ser o dia em que jantámos cedo na Praia das Maçãs, duas carpas fritas para nós, carpas bonitas, com feijão verde verdinho, daquele que nunca mais vai haver. Somos nós que mandamos na definição do dia. Ninguém nos pode tirar esse poder. Podem tentar definir-nos o dia, para mais escuro ou para mais luzidio, mas nós não temos de aceitar essa definição. Somos nós que escolhemos as partes do dia com que vamos defini-lo. Podemos ser frívolos, se quisermos. Podemos definir o dia em que soubemos que a jovem Rosinha - que é a gata de Seteais - teve uma ninhada e que todos se encontram bem, graças a Deus. Em vez de ser o dia que eu fui ao dentista, pode ser o dia em que fiz as primeiras filmagens da minha mulher - a rir-se e a fazer gestos encantadores, mas obrigatórios de "não me filmes!" no meu iPhone novinho. Somos nós que decidimos o dia que foi. E nós decidimos que foi assim."
E pronto.
"Os dias são connosco" de Miguel Esteves Cardoso, Público 12/08/09