Samaraguices e Religiosidades

O motivo pelo qual o Saramago tem tanto rancor à Igreja ou até a d(D)eus, desconheço. Agora, o Antigo Testamento, se já leram, representa um deus em tudo semelhante aos deuses de outras civilizações, seja Grega, Egípcia, Romana, Celta, etc. São deuses com personalidades, qualidades e defeitos obviamente humanos (em que é que nos poderíamos basear para criar deuses senão em nós próprios e no que nos rodeia, natureza, animais...) com determinadas características "hiper-potenciadas”. A Grande diferença era o facto de ser monoteísta, novidade em relação ao que existia até então.

Se não há dúvidas que o Antigo e o Novo Testamento são dois documentos separados e independentes, que pintam realidades ideológicas diferentes, resta que o Novo Testamento, apesar ser muito mais adequado, digamos assim, em termos de exemplos a seguir e valores defendidos - sejam eles a Tolerância, o Respeito pelo Próximo, a Humildade e acima de tudo, para mim pelo menos, Amar o ser humano com todos os seus defeitos e qualidades - não me suscita a admiração que esperaria. Isto por um motivo.

A mim causa-me alguma indignação os actos finais da trama. Quer dizer, Jesus, personagem principal e defendido como sendo Deus, ao morrer na cruz diz qualquer coisa como: Morro pelos vossos pecados (vossos-> humanidade), morro para que os pecados que cometeram no passado sejam perdoados por Deus, morro ainda pelos pecados que vocês ainda vão cometer (cambada de nabos que não aprendem) e ainda morro para que sejam perdoados os pecados que os vossos filhos e os filhos deles, and so and so on, ainda hão de cometer (cambada de tonos que não sabem educar filhos)! OU SEJA, Eu, Jesus de Nazaré, Filho de José e Maria (também de Nazaré, charmosa localidade mas um pouco seca no verão), morro por vocês, sacrifico-me por vocês e pelos que virão, Eu, do alto do meu altruísmo (que poderia ser real não fosse o que vem a seguir) sacrifico-me para que vocês se safem, MAS sou vosso credor, eu morro e agora vocês rezem por mim, construam um igrejas para cantar o quão bonzinho eu fui, que os vossos filhos também me prestem homenagem, porque eu, o Maior, sacrifiquei-me por tudo e todos, passado, presente e futuro, ouviram??!! E ai de quem não o fizer que vai para o Inferno!! (Entretanto a Igreja Católica Apostólica Romana criou o Purgatório - coisa que não existe nas religiões protestantes p.e. que é uma espécie de Pena Suspensa, pronto portaste-te mal, devias ir para o Inferno, mas olha ficas de castigo num purgatório uns séculos e depois, bah, vai lá para o paraíso e sê bonzinho senão ficas sem as asas - vem com o Pack Paradise).

Essa parte final é que me causa comichão, porque há muito boa gente, que morre para que outros se safem, que sofre fisicamente bem mais do que Jesus, o homem, sofre na Bíblia, e não vem dizer antes de morrer: olha, agora lembrem-se que se não fosse eu vocês estavam cozidos, portanto, reverenciem-me como deve de ser!! A larga maioria desses homens e mulheres permanecem anónimos, alguns ficam conhecidos e são dados como modelos, mas que eu saiba, a larga maioria não pede para construirem uma Igreja em sua Homenagem, no máximo, uma autarquia dá o seu nomo a uma rua ou constrõe uma estátuazinha, e isto SEM ELES PEDIREM!!

Daí eu acreditar no Homem e não no deus. E acreditar que é o Homem que faz o deus e não o deus que faz o Homem. Acredito visceralmente e é provavelmente a minha mais profunda convicção, que somos nós que criamos os paraísos e os infernos à nossa volta, àqueles que amamos e àqueles que, bah, não amamos assim tanto. E que depende individualmente e conjuntamente de cada um de nós tornar este lugar que temos um sítio melhor, com mais sorrisos e menos lágrimas, com mais Alegria e menos tristeza.

Voilá.. :)