Porque
é que hoje vou passar o aspirador e arrumar as capas.
Hoje,
por volta das 17h, várias cidades do país serão palco de manifestações de
protesto. O slogan ou a frase chave é: "Que se lixe a troika, queremos as
nossas vidas de volta".
Hoje,
não irei manifestar-me. Não que tenha a ilusão que os motivos possam interessar
alguém, mas preciso de explaná-los, por escrito, por mim, para mim.
Acredito
na manifestação como uma poderosa ferramenta política. Não a desdenho, nem olho
para ela com sobranceria. Creio que ela serve de alavanca para fazer avançar
uma causa e daí o seu timing e a sua
liderança serem sempre cruciais para o seu sucesso.
A
manifestação de hoje é uma manifestação de protesto. Não defende nenhum caminho
alternativo específico ou defende tantos que é como se não defendesse nenhum.
Outra vez, as manifestações de protesto são úteis e tem a sua razão de ser.
Pessoalmente, prefiro gritar por algo do que apenas contra algo. É uma
preferência pessoal e em nada interfere com a utilidade que vejo nas
manifestações de protesto, no seu papel crucial para revoluções e evolução.
Hoje
não me vou manifestar. Mas também não vou ficar em casa ou ficar no sofá. Estas
invectivas tem sido usadas para injuriar, ou pelo menos desconsiderar, os que
não se irão manifestar hoje. Não concordo. Para além de me parecer demagogia
barata, creio que é profundamente contra-producente se o objectivo é convencer
os indecisos a manifestarem-se também. Para além de ter um travo de extremismo
e intolerância nada agradável. A lógica do “ou estás comigo ou estás contra
mim” carrega uma carga demasiado negativa para ter efeitos benéficos.
A
mudança e a evolução fazem-se pela união. Considero tão censurável o discurso
que condena quem hoje não se irá manifestar como o que critica quem o irá fazer.
Soa tão mal ao meu ouvido o “vai mas é trabalhar preguiçoso” como o “se isto
não muda é por culpa de pessoas como tu que ficam em casa”. Se o debate e a
troca de ideias é saudável, criar divisões não faz avançar nenhuma causa. Para
que esta sociedade evolua, para que este país se torne num sítio melhor para se
viver são tão essenciais os que hoje estão na rua como os que não estão. Ambos
são fundamentais para a mudança e, só com ambos, ela acontecerá. Não entender
isto, é não perceber que dão mais jeito duas mãos para construir uma casa que
só uma.
Claro
que o estado da política nacional é lastimável, e também, já agora, o da Saúde,
o da Educação e o da Justiça. Mas vejo tanto de certo e de errado quando olho
para a massa dos deputados na Assembleia da República como quando olho para
mim, para nós, para a massa do Povo. Acredito que eles apenas nos espelham.
Eles somos nós. Isso frustra-me e irrita-me e acredito que boa parte do
que motiva, tanto os manifestantes como os que não se irão manifestar, é essa
frustração. Os defeitos deles, são os nossos.
Entre
um professor que deixa copiar nos seus exames, um aluno que assina por outro uma
presença, um empresário que não paga impostos e um político que usa de
compadrio e favorecimento, não distingo diferença de comportamentos, não
distingo diferença de valores, não distingo diferença de moralidade, apenas, eventualmente,
uma nuance no impacto do acto. Só.
Mais nada. É nesse sentido que estou perplexo. Manifestarmo-nos contra os
políticos, ok. Mas, e porque não contra os estudantes que copiam?
Não
acredito que sejamos melhores ou piores que outras sociedades ou outras nações.
Penso que iniciámos um vício e agora não conseguimos sair dele. Acredito que
algures na história, não sei onde, não sei quando, perdemos a noção que as
instituições foram criadas por nós e para nós, para vivermos melhor em
conjunto, em sociedade. Não contra nós. Não nos foram impostas.
Algures
no tempo, num momento qualquer, alguém não pagou impostos e quem testemunhou em
vez de raciocinar: "isto está errado, ele não paga impostos logo está a
roubar-me, tenho de fazê-lo ver razão ou então denunciá-lo, ele está a
prejudicar-me a mim, aos meus filhos, aos meus vizinhos, etc." pensou:
"ele não está a pagar, fica com mais dinheiro, se eu fizer o mesmo, também
fico" e esta lógica imperou e alastrou
de tal maneira que os valores foram subvertidos. Honestidade tornou-se sinónimo
de papalvice e trapacearia de inteligência. Enquanto esta lógica não for
invertida, é indiferente a cor política dos governos, é indiferente o número ou
o tamanho das manifestações, é indiferente a existência de crises económicas e
financeiras internacionais, nós, estaremos sempre em crise.
Mea
culpa. Na comunidade onde estou inserido podia ter-me manifestado muito mais. Na
faculdade, no município e outros testemunhei actos questionáveis. Podia e devia
tê-los denunciado. Ainda tentei, mas pouco. Muito pouco.
Acredito
que o impacto para a evolução do nosso país e da nossa sociedade se fará
melhor, mais rapidamente e até talvez unicamente, se a manifestação ocorrer no
dia-a-dia, no local de estudo, no local de trabalho. Em prol da correção das
ilegalidades e das amoralidades, no respeito da divergência de opiniões e na intolerância
da desonestidade, sejam quais forem as consequências pessoais.
Hoje
não vou manifestar-me na rua. Eis o que vou fazer: tentar, pelas minhas acções
e comportamentos, ser exemplar. Viver de acordo com os valores humanistas que
norteiam as sociedades, honestidade, tolerância, respeito do próximo e tornar-me
a melhor pessoa que consiga. Denunciar e se possível corrigir as situações à
minha volta que gritem injustiça ou incompetência.
Isso
será, para já, o meu acto de manifesto. Não tenho a ilusão de o conseguir mas
esforçar-me hei nesse sentido. Sei que irei errar mais que muitas vezes, mas tenho
a certeza que este tipo de manifestação é tão ou mais necessário que a
manifestação de protesto de hoje e, para já, será o tipo que adoptarei. Talvez
mais para a frente, quando o momento me parecer mais oportuno, desça à rua com
o meu cartaz e os meus pulmões.
Hoje
não vou ficar em casa por preguiça. Hoje não vou ficar em casa no sofá. Hoje
vou arrumar a casa, passar o aspirador e ordenar capas e papelada que o ano
lectivo já começou.
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